Um legado inesquecível
Adeus ao grande mestre brasileiro
Um tumor maligno no pulmão pode ter sido a principal causa da morte de Joaquim Maria Dias de Castro, o Mestre Cupijó, ocorrida ontem em um hospital de Belém. Há pelo menos dois anos o músico considerado principal responsável pela divulgação e popularização do siriá vinha sofrendo dificuldades respiratórias e convivendo com as consequências de diabetes. Cupijó foi velado em Belém, mas o corpo enterrado em Cametá, município onde o músico nasceu, há 76 anos.
Os últimos dias de Mestre Cupijó haviam sido atribulados. Recolhido em casa, praticamente havia deixado de tocar e de advogar, outra ocupação que possuía. Passava os dias lendo e escrevendo. Deixou farto material inédito, segundo o filho José Joaquim Dias. Uma crise respiratória fez com que fosse levad o ao hospital Santa Luiza, em Cametá duas semanas atrás. Exames mostraram que o músico estava com pneumonia. Como os antibióticos a serem tomados eram demasiados fortes, houve o aconselhamento para que Cupijó fosse transferido a Belém, onde foi detectada a presença de um tumor no pulmão.
“Era um câncer. Um dos pulmões já estava sem funcionar e o outro gravemente comprometido”, disse José Joaquim. O músico foi entubado para receber oxigênio, mas os familiares perceberam naquele momento que a batalha pela vida estaria perdida. Cupijó deixou seis filhos e 12 netos. Nascido no centro de Cametá, Cupijó começou a tocar com 12 anos, por influência do pai, também músico. Um ano depois, já tocava clarinete no “Jazz Batuta do Ritmo” e depois na centenária Banda Euterpe, fundada em 1874, onde o pai era maestro e regente.
Cupijó faz parte de uma geração de músicos que ousaram transformar os ritmos populares do interior do Estado em sucessos radiofônicos, a partir da inserção de diversos elementos inovadores. Gente como Mestre Vieira, Pinduca e Mestre Verequete, para citar três exemplos.
Inventividade
Inventividade
No caso de Mestre Cupijó, o siriá foi o principal estilo trabalhado por ele. Enxertando elementos eletrificados, fez da música instrumental o carro-chefe de uma carreira que teve o auge na década de 1970, com a gravação de seis LPs, pelas então poderosas gravadoras Continental, Escorpião e Chantecler. A musicalidade de Cametá era a principal fonte de inspiração, mas Cupijó fez com que ela ultrapassasse barreiras continentais.
“O Cupijó é um dos “mestres” paraenses de maior importância pra tradição da cultura popular do nosso Estado. Sua composição chamada “Siriá” é um hino da música paraense. Tenho esperança que ele seja lembrado por ter contribuído diretamente para difusão da nossa música mundo afora”, disse a cantora Aíla ao saber da morte do músico.
Reação semelhante teve o cantor e compositor Pinduca. “Tomara que outro carregue a bandeira do siriá como ele fez. É um ícone nesse sentido. Perdemos um grande músico e um grande colaborador da música do Pará”.
“Ele tinha plena consciência do papel dele na música paraense”, diz o filho José Joaquim. Familiares e admiradores da música de Cupijó aprovaram um projeto na Lei Semear para digitalizar e, se possível, regravar os discos clássicos de Mestre Cupijó da década de 70. Doze músicas haviam sido selecionadas para o projeto. Além disso, como praticamente não parara de produzir durante todos esses anos, Cupijó deixou várias composições escritas, mas ainda inéditas. É um acervo que pode e deve ser resgatado.
É uma grande referência para nossa música”, atesta a cantora Iva Rothe. “Um dia antes eu conversava com a Dona Onete (cantora) sobre carimbó e a importância de gente como Cupijó e Vieira, que pegam a música de uma localidade e fazem com que ela se torne universal. Fico triste com essa perda”.
“Vamos perdendo esses mestres de nossa música, sem que muitas vezes a gente conheça profundamente a história deles, a trajetória. Muitos só tem gravações em LPs e isso vai sendo perdido. Agora, será apenas mais uma homenagem póstuma”, lamentou a jornalista Luciana Medeiros, diretora de um documentário sobre Mestre Vieira.
Ao ter o corpo transportado para Cametá, Mestre Cupijó teve o desejo atendido. Apaixonado pelo rio Tocantins e pela tranquilidade que ainda encontrava no município, nunca se acostumara com a agitação de Belém. “Ele só ia à capital para tocar. Não gostava da vida agitada da cidade. Gostava da calmaria de Cametá”, diz Joaquim. Se o corpo fica sepultado no município, a música de Cupijó continuará a se espraiar mundo afora. Como convêm a um mestre.
(Diário do Pará)
Fonte: Diário do Pará